EXPOSIÇÃO VIRTUAL

Sinfonia Cromática de Vicencia Gonsales

Vivemos num tempo de intensa contaminação visual de imagens provenientes da televisão, internet, cinema, propaganda exterior, mídia impressa, etc. etc.

Trata-se de um bombardeio de imagens sem precedente na história da humanidade, o qual está transformando a nossa visão, que está ficando adormecida. A cada dia, centenas de milhares de imagens passam velozmente frente a nossos olhos.

Quase não temos tempo para a contemplação de uma pintura, a qual exige uma atitude mais demorada, uma apreciação sutil e sensível ao mesmo tempo.

Na grande maioria dos eventos de arte contemporânea há pouco espaço para obras bidimensionais, com exceção da fotografia. Nesse atual contexto, embora predomine a sedução dos novos meios, ainda é possível afirmar: A pintura continua viva!... Temos ótimos pintores na atualidade espalhados pelo mundo, embora poucos com relevância e qualidade. Aqui no Brasil podemos destacar: Paulo Pasta, Adriana Varejão, Emmanuel Nassar, Beatriz Milhazes, Daniel Senise entre outros.

O território da pintura é altamente explorado, não é nada fácil acrescentar algo novo. Entretanto, de tempos em tempos, surgem instigantes revelações como é o caso da artista Vicencia Gonsales.

O atual conjunto de trabalhos de Vicencia foi desenvolvido gradativamente a partir das suas fases anteriores onde experimentou a figuração informal e posteriormente nas suas pesquisas explorou as possibilidades das monotipias e dos desenhos extraídos de suas superfícies.

Nesse processo de sólida raiz, a artista extraiu o desenho da pintura, o qual separadamente foi aprimorado enquanto linguagem, para logo reinseri-lo novamente na pintura, dessa vez de uma forma equilibrada e em perfeita harmonia.

As obras de Vicencia transitam aqui entre a pintura, a colagem e o desenho. Ela pinta desenhando e dialogando com tecidos estampados, integrando-os na superfície da tela ao re-criar e prolongar o conteúdo dessas estampas mediante pintura e desenho.

A artista utiliza um processo criativo que incorpora o múltiplo, o heterogêneo, é uma expansão da pintura ao tratar da colagem, do desenho, da costura e da adição de metais na superfície da tela. Tudo isso traz mudanças radicais ao seu modo de pintar.

Nesse processo, é possível identificar alguns elementos que compõem seu repertório: por um lado, os provenientes das estampas dos tecidos colados, tais como flores, com referências à pop-art e ao tropicalismo; por outro lado, podemos identificar os elementos provenientes da ação criativa da artista expressada mediante linhas e rendas gráficas intuitivas, arabescos, referências ao movimento art déco, ao carnaval e diálogos pontuais com a obra de Beatriz Milhazes. Todos esses elementos caracterizam a sua atual produção, os quais em conjunto remetem a questões relativas à abstração concreta e neoconcreta.

A técnica mista utilizada tem por base a colagem e, através dela, a artista alcança uma rica diversidade criando um vocabulário de impacto pictórico e confrontos entre o desenho e a colagem, conseguindo um resultado pessoal e corajoso, fruto dessa harmonia de excessos.

De certa forma, conceitualmente Vicencia revela heranças “Duchampianas” nessas colagens, ao se apropriar dos desenhos já contidos nesses tecidos estampados. Surge aí um diálogo entre o desenho impresso e o desenho representado. Ou seja, uma representação dialogando com outra representação e não com o mundo real. Utiliza-se aqui a metalinguagem ao se introduzir uma estampa pronta na pintura e não uma estampa representada.

Na obra de Vicencia, a questão do desenho e da linha é um elemento estrutural predominante, é seu território simbólico, em que se manifesta toda a sua personalidade.

Essas linhas dialogam com os tecidos estampados e com os espaços cromáticos, outorgando a esses elementos que compõem a pintura, pesos e valores visuais diferenciados.

São essas linhas emaranhadas de teor orgânico que modificam a percepção da pintura saturada da artista, as quais conduzem nosso olhar pela superfície da pintura ao transitar entre diversos territórios e fronteiras dissolvidas pela intervenção integradora do desenho, inserindo profundidade na tela e aumentando a força dos seus campos cromáticos.

A frescura e a complexidade das suas composições no processo pictórico dão inicio à formulação das próprias teorias visuais da artista, levando-nos a um imaginário singular de pinturas assumidamente belas e muito expressivas, que retém o nosso olhar.

Embora nas pinturas de Vicencia vejamos uma aparente ambiguidade entre o território emocional e o racional, plasticamente o que acaba prevalecendo de modo geral no campo da representação, são as composições líricas emotivas, nas quais os procedimentos híbridos estão ganhando espaço e corpo na atualidade.

A pintura de Vicencia não tem nada de dócil. Ao contrario, é selvagem ao extremo, e é justamente essa característica que torna sua obra atraente ao nosso olhar.

Nesse momento experimental do desenho, surgiram outras vertentes e possibilidades em torno do espaço e da arquitetura.

Nas suas obras de intervenção arquitetônica, ela coloca em discussão as fronteiras da pintura e o lugar da arte, no momento em que a artista extrapola os limites tradicionais do suporte da tela prolongando seu desenho para as paredes, as quais são incorporadas à sua obra na forma de suporte, transformando essas paredes no campo de representação das suas idéias.

Aqui se discutem questões muito pertinentes à arte contemporânea: a expansão territorial, a limitação dos suportes tradicionais, a efemeridade da obra, a ação e a intervenção da artista no espaço real da arquitetura.

Nesse momento, Vicencia abre mão de algo precioso para muitos pintores: a autonomia da arte. Trata-se de um mergulho no território das instalações, as quais utilizam o espaço arquitetônico como suporte passando a depender dele.

Em síntese, são pinturas altamente sedutoras, que chamam a atenção revelando a nosso olhar a intenção da artista: a procura constante da liberdade.

O ineditismo das obras da artista a colocam junto a um seleto grupo de pintores que deram novas soluções ao dilema conceitual da representação. Nesse momento vemos toda a afirmação autoral na superfície da tela, destacando assim sua ação fundamental como pintora.

O atual momento pictórico de Vicencia Gonsales constitui-se na melhor fase do seu percurso histórico.

Vale a pena não perder de vista os novos caminhos a percorrer pela artista no campo da pintura... “Caminante no hay camino, se hace camino al andar”.

Waldo Bravo
ARTISTA-CURADOR E ARTE-EDUCADOR

Meus trabalhos falam do universo feminino, dos sonhos de criança, do olhar curioso guardado na memória, da vida no campo, do cheiro molhado da terra, da alegria de viver.
Falo dos momentos de solidão, do olhar para a imensidão do universo e para além das coisas. De momentos vividos, não vividos, das tramas do mundo, do ser humano. Criar, para mim, é uma necessidade.